quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Basquetebol para cadeirantes: o destaque dos persistentes

O basquetebol de cadeira de rodas tem suas primeiras encestadas após a Segunda Guerra Mundial. Combatentes feridos se reuniam nas quadras para jogar. Isso ajudava no processo de recuperação e reintegração dos soldados na sociedade. Outros esportes, que posteriormente se tornaram competições oficiais, têm histórias semelhantes por conta dessa vertente humana; característica chave desses desportos.
 A recuperação através do esporte está bem claro quando conhecemos João Lopes. Aos 25 anos ele deixou de andar. Para muitos seria o fim da vida, mas com o apoio de familiares e a própria força de vontade ele não se deixou abater. “Tive várias complicações médicas após um acidente de carro. O médico disse que minha coluna ficou muito lesionada e que era um milagre eu estar vivo”, conta Lopes.
 O atleta, que na época não passava perto de uma quadra, hoje praticamente respira basquetebol. “A primeira vez que joguei foi incrível. É muito bom fazer parte de algo. Mesmo sem poder andar eu me sinto voando no jogo”, complementa o jogador que sonha em participar de alguma Paralimpíada.
 E curiosamente, mesmo com pouca divulgação, o basquetebol de cadeira de rodas já está presente desde a primeira edição dos jogos adaptados. Em 1960 em Roma, Itália, atletas de 23 países disputavam a almejada medalha de ouro. Em 1968, as mulheres entraram na disputa em Tel Aviv, capital de Israel, tornando-o mais conhecido.

 O jogo é extremamente parecido com o basquete tradicional. De acordo com informações do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), “as dimensões da quadra (28 m x 15 m) e a altura da cesta (3,05m) são as mesmas do basquete olímpico”. A modalidade também é praticada por atletas de ambos os sexos que tenham alguma deficiência físico-motora.
 Diferente de outros esportes adaptados - por exemplo, o futebol que possui cinco atletas totalmente cegos por equipe - no basquete para cadeirantes os jogadores recebem uma pontuação de acordo com o grau de deficiência. Essa escala vai de 1 até 4.5, onde os atletas mais funcionais ganham as menores classificações. Isso obriga o treinador a utilizar jogadores de diversos níveis. Atentando-se para o somatório da equipe, em quadra, que não pode ultrapassar 14 pontos.
 

 A padronização das cadeiras de rodas é realizada pela International Wheelchair Basketball Federation (IWBF), a Federação Internacional de Basquetebol em Cadeira de Rodas. Ela é quem define o diâmetro máximo dos pneus - 66cm -, a altura do assento e do apoio para os pés. A almofada no assento não pode ter mais de 10cm de espessura, exceto para os atletas das classes 3.5, 4.0 e 4.5. Para esses casos, o máximo são 5cm de espessura. A cadeira também não pode ter sistema de direcionamento, marchas e freios. Essas e outras regras são checadas pelos árbitros antes do início da partida.
 No Brasil, o basquetebol para cadeirantes deu-se por intermédio de Sérgio Del Grande e Robson Sampaio que, ao retornarem de um programa de reabilitação nos Estados Unidos, trouxeram esta modalidade para São Paulo e Rio de Janeiro. Dada a boa receptividade, Sampaio fundou no Rio o Clube do Otimismo, e Del Grande, o Clube dos Paraplégicos em São Paulo.
 Com o aumento de escolas e times em todo o Brasil, a CBBC foi criada para coordenar e padronizar a prática no país. Essa entidade, por sua vez, responde diretamente a IWBF, que é o órgão dirigente a nível mundial. A CBBC tem sede em Pernambuco e é também responsável por coordenar as competições.
 Ao longo do tempo várias equipes e projetos foram criados popularizando, assim, o esporte. Um exemplo é a Associação dos Deficientes Físicos de Pernambuco (ADEFE-PE).
Localizada no bairro Arruda, no centro do Recife, a ADEFE-PE é uma organização que seleciona, treina e apoia atletas do basquete em cadeira de rodas, badminton e atletismo.


 “Para ingressar no time basta se apresentar nos dias de treino, que são às quintas-feiras a partir das 17h, e participar das atividades”, explica Kilber Alves, vice presidente da associação. Além disso, ele ressalta que antes os  jogadores tinham dois dias de treino. Sendo dois  para o basquete e um para o badminton. Só que devido à uma reorganização de horários o basquete perdeu um dia.
  E mesmo com grande representatividade - no Parapan de 2016 seis atletas pernambucanos estavam entre os competidores - existem problemas pontuais que atrapalham o desempenho das atividades. “A principal dificuldade é a falta de cadeiras. E também material de reposição que é difícil de achar e caro. E falta um espaço mais adequado para treino, que como eu já falei é apenas um dia, o que é insuficiente”, finaliza.
 Valdemar Silva é um dos principais jogadores do time e um dos responsáveis por manter as atividades na ADEFE-PE. Ele concorda com Kilber e destaca as diferenças estruturais do estado com o resto do país. “No sul e sudeste os times tem suporte, apoio e recebem para jogar. Aqui a gente depende da associação para tudo. Se eles não ajudarem não tem condição do time  sobreviver”, destaca o jogador..
 Um dos veteranos e pivô do time, Luís Antônio, ressalta a importância da ADEFE-PE e do esporte na vida dele: “Sofri um acidente aos 13 anos. Um carro passou por cima das minhas pernas e nunca mais consegui andar. Fiz alguns tratamentos, mas a maioria é muito caro e não dava pra mim. Quando vim pra cá, lá pelos 20, foi mudança total. A vontade é de jogar o tempo todo porque motiva muito a pessoa”.
 Luís está ciente das dificuldades em conseguir cadeiras adequadas por isso, quase sempre, posta nas redes sociais pedidos encarecidos de apoio financeiro ao time. “A gente tem que fazer o que pode. A situação não tá fácil, mas temos que tentar”, concluiu o pivô.
 E essa é uma máxima que está presente na mente do time. Mesmo com todos os empecilhos, a equipe permanece motivada e se depender deles as rodas vão continuar girando, pois para eles o basquetebol para cadeirantes representa a persistência pela vida.


Equipe ADEFE-PE

domingo, 18 de junho de 2017

Bowling For Columbine


  O documentário escrito, dirigido e produzido por Michael Moore resgata a história de 20 de Abril de 1999. O Massacre de Columbine, como ficou conhecido na imprensa, foi uma tragédia que deixou 12 alunos e um professor mortos. Após dispararem 900 balas dentro das dependências da Columbine High Scholl, os estudantes Eric Harris e Dylan Klebold cometeram suicídio.
  O filme lançado em 2002 começa com Michael em um banco de Michigan que oferece uma arma grátis por cada conta aberta. Ainda nesse estado ele conversa com a milícia local. Esse grupo, composto por cidadãos preocupados com a segurança da cidade, tem convicções firmes a respeito do porte de arma. O cineasta é até questionado: "Quem você chama quando sua casa é invadida? A polícia, né? Pois ela está armada".
  Outras frases como "...devemos aprender a controlar a nossa ira e a nossa frustração", "Manter as pessoas com medo para que elas consumam", "Quem tem mais influência eu ou o presidente?" são ditas nesse documentário de duas noras que ainda acompanha outras duas tragédias: o atentado de Oklahoma City, que até o 11 de setembro havia sido o maior ataque do país, e o trágico caso do aluno de seis anos que atirou em uma colega de classe com um arma achada na casa do tio. As vozes de celebridades como Charlton Heston, Chris Rock e Marilyn Manson são ouvidas, bem como de anônimos que ficaram conhecidos por seu envolvimento nesses casos.
  No segmento seguinte, o filme busca esclarecer o motivo desses casos serem recorrentes no país. E também como a mídia atua, seja buscando culpados nos videgames. heavy metal e filmes ou ajudando a disseminar o medo na população. Fatores como entretenimento, pobreza e etnia são utilizados como parâmetro e a discrepância entre o percentual de mortes provocadas por armas de fogo em relação a outros países é destacado. Através desse paralelo, em particular com o Canadá, alguns levantamentos são feitos e ele chega a conclusão paradoxal que os EUA é perigoso justamente por tentar ser seguro.

Eric e Dylan na biblioteca da escola

Acho importante reproduzir aqui a linha do tempo que é exibida ainda na primeira hora:

1953: Os EUA derrubam Mossadeq, o Primeiro Ministro do Irã, e empossam o Xá.
1954: Os EUA derrubam o presidente da Guatemala, eleito democraticamente. Civis morreram.
1963: Os EUA organizam o assassinato do presidente Sul-Vietnamita Diem.
1963-1975 : O exército americano "limpa" 4 milhões de civis no Sudoeste da Ásia.
11 Setembro 1973 : Os EUA provocam um golpe de estado no Chile. O presidente Allende, democraticamente eleito, é assassinado e o ditador Pinochet é empossado. 5.000 chilenos assassinados.
1977: Os EUA mantêm o regime militar em El Salvador. 70.000 Salvadorenhos e 4 freiras americanas morrem.
Anos 80 : Os EUA apoiam Bin Laden e seus amigos terroristas contra os Soviéticos. A CIA lhes dá 3 milhões de dólares.
1981: A administração Reagan financia os "Contras". 30.000 Nicaraguenses morrem.
1982: Os USA dão milhões a Saddam Hussein para derrotar os Iranianos.
1983: A Casa Branca fornece secretamente armas ao Irã para matar os Iraquianos.
1989: Manuel Noriega, agente da CIA é feito presidente do Panamá, mas desobedece Washington. Os EUA invadem o Panamá e derrubam Noriega. 3.000 civis morrem.
1990: O Iraque invade o Kuwait com armas americanas.
1991: Os EUA entram no Iraque. Bush restabelece a ditadura no Kuwait.
1998: Clinton bombardeia uma fábrica de armas no Sudão. Fábrica que afinal fabricava aspirinas.
Desde 1991: Os aviões americanos bombardeiam o Iraque todas as semanas. Números da ONU dizem que o número de crianças iraquianas mortas, por causa das bombas ou do embargo, eleva-se a 500.000.
2000-2001: Os EUA dão 245 milhões de dólares ao regime Talibã Afegão.
11/09/2001: Bin Laden põe em prática aquilo que aprendeu com a CIA, e mata 3000 pessoas.

  Outros dados são levantados e no final, o documentário consegue proporcionar momentos únicos para sobreviventes do massacre e ainda sobra espaço para uma conversa inesquecível com o ator Charlton Heston, que 10 dias depois do atentado participou de um congresso na cidade em defesa ao armamento pessoal.
  O filme vencedor do Oscar de melhor documentário de longa metragem, em 2003, mesmo não sendo imparcial sobre o porte de armas nos Estados Unidos, proporciona uma reflexão sobre como o comportamento dos americanos está relacionado ao medo e à violência.

domingo, 5 de março de 2017

INTERVALO


E a exasperação do auditório aumentou ainda mais quando o sinal característico inundou o estúdio alertando a todos os presentes que a próxima rodada seria especial.
- Ora, ora senhoras e senhores. A próxima rodada é especial!
Todos na platéia vibravam, aplaudiram e gritavam excitados. Essa manifestação efusiva não era pra menos. Uma rodada especial - ao contrário de uma rodada normal - não conta os 5 segundos tradicionais como tempo limite para aguardo de resposta. (E cá entre nós, muito tem-se
criticado nos programas especializados sobre essa forma de proceder o jogo. Pois claramente o último participante da rodada tem mais tempo pra pensar). Na rodada especial os 5 segundos são únicos, valendo para todos ao mesmo tempo.
- Preparados? Espero que sim. Nessa rodada especial devem ser ditas apenas palavras com cinco letras. Tempo!

                                Cinco! Tempo! Letras! ... PEEEN!

- Muito veloz, hein?
Infelizmente o participante número quatro não respondeu e a número três recorreu ao plural. Que peninha. Todos estão sabemos que o destino deles é...
E mais uma vez, como um mantra, é repetida a palavra de quatro letras decretando o fim desses pobres coitados.
- Agora, restando apenas dois participantes, dobramos o tempo limite e toda rodada é especial!
Uma música extravagante começou a tocar e toda a platéia passou a se agitar animadamente.
- Tá certo, tá certo. Os atuais participantes um e dois vão se enfrentar nessa que pode ser a rodada final. Espero que estejam preparados. Nossa rodada apenas palavras proparoxítonas devem ser ditas. Tempo!

                                Proparoxítona! Único! É...Máquina! Básico! É...único!

- Palavra já dita.
                                É...Fósforo! Ah...Próspero!

- Para o tempo! Uau! Que aflição. Estão tão nervosos quanto eu estou? Indo para a quinta rodada eu pergunto para a platéia: Devemos mudar o tema sim ou não?
- SIM!
- Vocês são uns...sórdidos mesmo. HAHAHA. Então a partir de agora apenas advérbios devem ser ditos. Valendo!

                                Longe! Perto!

                                Ontem! Agora!

                                Nada!

- Nada é pronome.

                                Ah...Não! Sim!

                                Mais! Menos!

- Para o tempo! Uau! Eles são bons. Tão bons que precisamos tomar um fôlego indo direto para os comerciais.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Suspiro


A rainha aproximou-se do rei e disse-lhe:
- Nossa filha está doente.
Sem tirar os olhos do porco assado que devorava, o rei respondeu:
- Mande trazer o curandeiro.
- Ele já foi chamado, mas não pôde ajudá-la.
O rei pousou as mãos na mesa e suspirou. Suspirou como se estivesse tomando seu último fôlego e perguntou:
- Ela pode andar?
- Sim.
- Traga-a aqui.
A rainha retirou-se como um raio e voltou antes que o rei terminasse a refeição. Ela trazia, pela mão, a jovem princesa. Antes de falar, o rei quebrou um osso, levantou-se e abaixou-se para ficar da altura da filha. Ele encarou aqueles pequenos olhos verdes iguais aos dele e após um longo suspiro falou:
- Sabe pra onde precisamos ir?
- Sei mas não gosto, respondeu a princesa olhando para os próprios pés.
- Sabe por que temos de ir?
- Sim. Porque eu tô doente.
- Sabe que se dependesse de mim eu trocaria de lugar com você?
- Sei...
- Está pronta?
- Sim.
O rei voltou-se para a rainha e disse:
- Não largue a mão dela.
A rainha assentiu e enquanto puxava a filha para junto de si ouviu os passos pesados do rei afastarem-se até a entrada do aposento onde estavam. O rei, porém não demorou-se e quando voltou estava acompanhado de seis cavaleiros e trazia na mão uma enorme chave de ouro. Ele então aproximou-se delas e ordenou:
- Vamos.
Seguiram pelo corredor mais estreito do palácio formando uma fila indiana com a família real entre os cavaleiros. Andaram bastante até encontrar a escadaria. O primeiro cavaleiro iluminou-se assemelhando-se a uma chama e iniciou a descida. Os demais cavaleiros seguiram seu exemplo e a família pôde enxergar todos os degraus com perfeição. A escadaria despontava numa ampla sala vazia. A sala tinha apenas uma enorme porta de ouro. O rei entregou a chave ao primeiro iluminado. Ao recebê-la, o cavaleiro assumiu uma estatura de três metros e imediatamente depositou
a chave na fechadura acionando os mecanismos da porta. Assim que foi destrancada, os outros cavaleiros aumentaram de estatura e ajudaram a abri-la.
Três dos gigantes ficarem vigiando a entrada enquanto os outros três assumiram a estatura original. Estes últimos acompanharam o rei, a rainha e a princesa até o encontro indesejado, porém inevitável.
E lá estava ele: o rei. Mesmo estando preso por grossas correntes azuis impossibilitando-o de mover se um centímetro se quer, esboçava um sorriso de contentamento. E sem desmanchar o sorriso gritou a plenos pulmões:
- FELIZ ANO NOVO!
O rei olhou para o topo do morro e avistou a criatura que assumira sua forma. Deu um longo suspiro, olhou para dois dos cavaleiros e ordenou:
- Façam o teste.
O rei acorrentado exibiu uma expressão de descontentamento e murmurou:
- Não vamos nem conversar um pouquinho? Eu senti tanta saudade.
Ao ouvir a voz de seu marido vindo daquele ponto da sala e naquele tom, a rainha contorceu-se e apertou firme a mão da princesa. O rei acorrentando continuou:
- Esse é o quê? Nono? Não. É o décimo! Dez anos? Ela já é uma moçiiiinha.
Enquanto sibilava a última palavra assumiu a forma da rainha e prosseguiu:
- Meu anjo, você já está crescidinha. Tenho que lhe ensinar tantas coisas. Temos tanto pra fazer juntas. Só nós duas...
Nesse momento a rainha acorrentada lambeu os lábios e soltou uma gargalhada gutural. Aquela risada fez até os cavaleiros que se aproximavam estacarem. O som ecoou por toda a sala e a princesa levou as mãos ao rosto. A rainha abaixou-se perto da filha e a abraçou sussurrando-lhe que tudo ficaria bem. O rei permaneceu imóvel e disse:
- Pare com isso.
A criatura voltou a assumir a forma do rei e o remedou:
- Pare com isso.
Afinando mais a voz continuou:
- Pare com isso, pare com isso, pare com...Você fala como se fosse rei! Você não é nada!
- Eu sei - o rei respondeu calmamente.
- Que interessante. Isso diz muito de você.
Outro sorriso diabólico transfigurou-se no rosto do rei acorrentado e quando outra risada tomava forma e estava prestes a inundar a sala, um dos cavaleiros apertou o pescoço do prisioneiro, calando-o. A criatura assumiu a forma da princesa e murmurou:
- Estou morrendo.
O cavaleiro afastou-se e ouviu o rei dizer:
- Rápido.
O segundo cavaleiro então aproximou-se do primeiro oferecendo-lhe o braço. Com um movimento rápido e preciso o primeiro cavaleiro quebrou o braço que lhe foi oferecido. O grito seco silenciou-se rapidamente. O primeiro cavaleiro tocou as correntes azuis e elas imediatamente desvincularam-se da princesa acorrentada. As algemas caíram no chão e toda aquela estrutura de ferro transformou-se em um cavaleiro. Sua pele azul e olhos amarelos eram idênticos aos dos outros, porém não possuía nenhum vestígio de vida. Enquanto a princesa olhava para aquilo que fora sua prisão o primeiro cavaleiro aproximou-se e disse:
- Cure o braço dele.
A princesa perguntou:
- Por que vocês precisam fazer isso sempre?
- Não podemos correr o risco - respondeu o cavaleiro iluminando-se.
A princesa aproximou-se do cavaleiro que gemia de dor e deu um leve sopro em direção ao braço quebrado. Imediatamente os nervos e ossos assumiram os aspectos esperados e o cavaleiro não mais sentia dor. A princesa empurrou o cavaleiro recém curado e esquivou-se do primeiro. Iniciou então uma decida apressada do íngreme morro onde estavam. O cavaleiro que estava na base do morro junto à rainha e à verdadeira princesa iniciou o processo de crescimento, mas não sua ação não
foi necessária. A falsa princesa já estava sendo arrastada pelos cabelos. O primeiro cavaleiro prendeu-a pela garganta e o segundo, que estava próximo ao rei, acenou para a rainha sinalizando que tudo estava bem. A rainha, a princesa e o terceiro cavaleiro subiram o pequeno morro íngreme até alcançarem o topo planificado repleto de ruínas. O rei ordenou que a falsa princesa fosse solta.
O cavaleiro iluminado afastou-se deixando-a respirar. Após tossir bastante a princesa disse:
- Pai, tenho fome.
O rei não conteve sua expressão de nojo e por fim declarou:
- Seja rápido.
A princesa assumiu a forma de uma besta de quatro patas e no mesmo instante começou a devorar o cadáver do cavaleiro que jazia morto no chão. Os outros cavaleiros estavam atentos a todos os movimentos da fera enquanto a rainha tentava tapas os olhos e ouvidos da filha. Após não restar mais nada do corpo, a besta assumiu a forma de um homem parecido com o rei e falou dirigindo-se justamente para o patriarca da família real:
- Sabe irmão, deveria ter sido você.
- Eu sei, disse o rei entre um suspiro.
- Então, o que ela tem?
- Você sabe.
- Preciso que você diga.
- O coração dela parou.
- Como você se sente, pequena?
- Você fala comigo - disse o rei elevando a voz.
- Como ela se sente?
- Muito mal.
- E o que eu posso fazer?
- Você sabe.
- Diga!
- Cure-a.
- Como?
O rei suspirou com pesar. Então o irmão do rei disse:
- Tudo bem.
Os três cavaleiros o cercavam enquanto ele se aproximava da princesa. Ele ajoelhou-se e olhou diretamente nos olhos verdes da princesa. A rainha estava atrás da filha de forma protetora. O rei estava em pé ao lado da filha e não movia um músculo.
- Sabe pequena...
Um dos cavaleiros segurou-o pelo pescoço e os outros agarraram seus braços. O rei disse novamente:
- Você fala comigo.
- Então diga a sua filha para apontar onde dói.
A princesa apontou para o lado esquerdo do peito. O irmão do rei deu um rápido sorriso e disse:
- Mas você é tão jovem.
- Cure-a - disse o rei,
- Por quê? Ela vai adoecer de novo. O coração dela é muito frágil. Talvez nem sobreviva...
Um novo aperto no pescoço e ele calou-se. O rei sentenciou:
- Faça agora.
- Me diz uma coisa: quantos cavaleiros você ainda tem? Sete? Não. São seis, não é? Isso mesmo. Apenas seis. E pelas minhas contas aqui...Acho que não vai dar certo, hein?
Mesmo com os braços torcidos para trás ele não parava de falar:
- Você deveria entregá-la agora. Você mantém seus cavaleiros e seu reino permanecerá por muito tempo. Juro que não irei atacá-lo. Só quero viver feliz com a minha pequena. Farei ela muito feliz. E ela me fará tantas outras coisas...
O irmão do rei parou de falar quando um ombro foi deslocado e o ar já não entrava pela traqueia.
Novamente o rei ordenou:
- Faça agora.
Assumindo a forma do rei, a criatura aproximou-se mais da princesa e soprou seu pequeno coração. Antes de ser puxado para trás o falso rei ainda consegui dizer para a princesa:
- Eu te amo.
Os cavaleiros arrastaram o falso rei até o centro. O cavaleiro iluminado segurou-o firme iniciando sua primeira transformação inanimada, sendo também sua última. O rei estava novamente preso por grossas correntes azuis. O rei, a rainha, a princesa e os dois cavaleiros restantes iniciaram a descida do pequeno morro íngreme o mais rápido possível. Ainda assim podiam ouvir o rei acorrentado dizer:
- FELIZ ANO NOVO! FELIZ ANO NOVO!

...

" Quando tinha quinze anos o coração da princesa parou novamente. Como já havia acontecido em todos os anos de sua vida. Ela não caia morta nem nada parecido. Apenas sentia-se mal. Extremamente mal. Já havia tentado explicar à mãe o sentia, mas era difícil explicar em palavras. Era como se todo seu corpo estivesse frio e quente ao mesmo tempo. Como se o peso do mundo estivesse sobre ela, mas ao mesmo sentia que podia sair voando. Isso era uma maldição. E essa maldição lhe fora aplicada por um invasor de um reino distante. Esse invasor era uma criatura que tinha a capacidade de alterar de forma. Podia assumir tanto a aparência de uma coruja para espiar quanto a do próprio rei que planejava destronar. Mas no fim foi apenas um trapaceiro que foi trapaceado por outro."

...

Dessa vez o rei desceu acompanhado por um cavaleiro que carregava duas sacolas com provisões.
A rainha e a princesa deveriam esperar no topo da escadaria até ele verificar se tudo estava seguro.
Elas ouviram a pesada porta de oura ser movida e ficaram imaginando o esforço que o cavaleiro estaria fazendo.
Após um longo período a princesa quebrou o silêncio dizendo:
- Vamos até lá,
- Não. Devemos esperar aqui - disse a rainha segurando a mão da filha.
- Pode ter acontecido alguma coisa.
- Confie no seu pai.
- Mas...
Ouviram então o rei gritar a palavra de segurança:
- Coração!
Elas iniciaram a descida sabendo que tudo estava seguro. Uma coruja estava bem presa nas grossas correntes azuis no alto do morro. O cavaleiro estava próximo observando e o rei já avançava a passos largos o pequeno morro íngreme. Quando chegou ao topo deparou-se com as ruínas e uma besta de quatro patas acorrentada. O rei aguardou um tempo até que perguntou:
- Nenhum comentário hoje?
A besta apenas rosnava.
- Assuma uma forma humana ou suas patas serão quebradas.
O focinho da besta deu lugar ao rosto conhecido do irmão do rei que pronunciou:
- Mas você precisa de mim, irmãozinho.
- Vamos logo com isso - disse o rei erguendo o braço.
O irmão acorrentado exibiu um largo sorriso. O cavaleiro iluminou-se e quebrou o braço estendido do rei. O grito que se seguiu obrigou tanto a rainha quanto a princesa a taparem os ouvidos. O rei agonizou uns instantes até que dirigindo-se ao cavaleiro ordenou:
- Solte-o.
O cavaleiro deu um longo suspiro e tocou na corrente que prendia o irmão do rei. A corrente assumiu a forma de um cadáver azul de olhos amarelados. O irmão do rei levantou-se e disse:
- Preciso comer.
Enquanto virava-se em direção ao cadáver azul, sentiu uma mão firme agarrá-lo pelo ombro e arrastá-lo até o rei que gemia baixo:
- Meu braço...cure-o.
- Sinto muito, rei. Não estou me sentido perfeitamente bem. Preciso comer antes. Você entende, não é mesmo?
O rei olhou pra cima em súplica mas o que obteve do outro como resposta foi uma expressão de consternação.
- Preciso muito comer - repetiu o irmão do rei.
O rei fez um gesto mandando-os afastarem-se. O cavaleiro guiou o irmão do rei para longe e o prisioneiro começou a devorar o cadáver do que antes fora sua prisão. Mastigava devagar e sem pressa, pois ainda estava em forma humana. Concluída a refeição, o último cavaleiro arrastou o recém alimentado para junto do rei. O irmão do rei ajoelhou-se e começou a falar:
- Até quando vamos fazer isso?
- Meu braço...
- Por que você não a entrega pra mim?
- Faça...logo.
- Sabe...eu nunca te parabenizei por conseguir me capturar. Realmente foi um feito e tanto. Todos os outros reinos eram bem protegidos mas nada comparado a esse. E aqueles cavaleiros...Nossa! Como você conseguiu? Do que você abriu mão pra conseguir seres tão fantásticos?
- Pare de falar. Apenas faça...
- Deve ter sido algo muito importante. O feiticeiro não cobraria barato. Eu bem sei.
- Faça...
O cavaleiro aproximou-se e segurou o irmão do rei pelo pescoço. Mesmo assim o prisioneiro continuou:
- Você já se perguntou o motivo de eu ter lançado essa maldição?
- Porque eu te enganei, disse o rei com bastante esforço.
- Não, não. É porque eu a amo.
- Mentira!
- Eu sempre a amei. Mesmo antes dela existir.
- Você é um monstro!
- Não. Você é que é o monstro. Rodeado por esses cavaleiros bizarros e com um prisioneiro em seu castelo. Exigindo que eu salve sua adorável filha ano após ano. Se bem que depois desses anos todos ela já deve estar bastante agradecida. Acho até que ela também me ama.
O rei gritou:
- Já chega! Faça agora.
O cavaleiro forçou o irmão do rei mais para baixo. Nesse instante a criatura assumiu a forma de um medonho pássaro verde com duas cabeças e bicos afiados. Seu tamanho e aparência eram assustadores. Com um rápido bater de asas afastou o cavaleiro para longe. O rei protegeu o rosto com o braço intacto e em troca recebeu um rasgo na carne que fez um sangue espesso brotar imediatamente. O pássaro alçou voo e descia velozmente ao encontro da rainha que segurava a mão da princesa com força. Quando a ave verde aproximava-se com suas duas cabeças, as duas indefesas observavam atônitas quando o cavaleiro pulou do topo do morro e ainda no ar ficou gigante. O cavaleiro pousou em cima do pássaro levando ao chão provocando, assim, um baque surdo na vasta sala vazia. O pássaro debateu-se um tempo antes de transforma-se no rei. O cavaleiro voltou a estatura anterior e imediatamente obrigou o falso rei a ficar de joelhos. Da base do pequeno morro íngreme via-se o rei descendo a encosta com dificuldades. Quando terminou a caminhada foi recebido pela rainha que disse espantada:
- Seu braço! Você está bem?
- Vou ficar - respondeu o rei suportando uma dor aguda que percorria insistentemente.
Virou-se então para aquele que assumia sua forma e ordenou:
- Faça agora.
- Eu só queria me divertir um pouco.
O cavaleiro iluminou-se e o falso rei pôde sentir seus músculos retesarem e os ossos racharem. No instante seguinte deu um sopro no braço do rei. A dor sumiu rapidamente. O rei então trouxe a filha para junto de si e disse para sua cópia:
- Agora ela.
O prisioneiro deu um sorriso e falou:
- Como quiser.
Deu um sopro em direção ao coração da princesa provocando uma sequência de batimentos ritmados e saudáveis. O rei fez um aceno para o cavaleiro que respondeu com um breve assentimento de cabeça e começou a arrastar o que antes era um pássaro verde de duas cabeças.
O rei virou-se para a rainha e disse:
- Cuidado na volta. Está escuro por isso devem guiar-se pelas paredes.
A rainha então perguntou:
- Você tem certeza que precisa fazer isso?
- Sim. Faça como combinamos. Não solte a mão dela.
- Tudo bem.
O rei recebeu um beijo da rainha e um abraço apertado da princesa. Ele pegou as sacolas com provisões que havia deixado na base do morro e iniciou a subida. Quando chegou ao topo, sua cópia estava presa por grossas correntes azuis. E assim que se acomodou a uma certa distância, ouviu do outro:
- Estou bastante intrigado. O que nos espera nos próximos momentos?
O rei abriu uma das sacolas e de dentro tirou um pão. Deu um longo suspiro, destacou um pedaço e pôs o restante de volta na sacola. Levou o pedaço até a boca onde passou vários segundos mastigando até engolir. Quando ia repetir essa mesma ação o prisioneiro falou:
- Tudo bem, Terei muito tempo para contar o que vou fazer com nossa princesinha. Primeiro eu...

...

Quase um ano havia se passado quando o rei ouviu passos adentrarem a vasta sala. O rei levantou-se. Estava barbudo e parecia dez anos mais velho. Deu um longo suspiro antes de gritar:
- Coração!
A rainha e a princesa iniciaram a subida do pequeno morro íngreme. A princesa prisioneira ficou estarrecida quando o rei tocou em suas correntes azuis e elas imediatamente transformaram-se
em um cadáver do último cavaleiro. A criatura não teve muito tempo para contemplar o fato, pois a rainha e a princesa já estavam no topo envoltas num abraço apertado com o rei. Logo após isso a rainha, que estava carregando um longo cobertor, cobriu as três peças da realeza. Em seguida um grito de dor ecoou na vasta sala. A princesa recém acorrentada correu em direção ao local de onde vinha os gritos e, assim que o cobertor caiu, pôde ver a princesa gemendo de dor com o braço quebrado. Imediatamente a falsa princesa aproximou-se e sem ninguém ordenar deu um breve sopro no braço fraturado. Imediatamente os nervos e ossos restabeleceram-se. E já quando iniciava o sopro em direção ao coração, a rainha correu em direção à princesa e colocou o cobertor entre eles enquanto gritava:
- Afaste-se de minha filha!
A falsa princesa removeu no mesmo instante a peça de pano que a impedia de ver a princesa e, sem nem ao menos olhar para a rainha, deu o décimo sexto sopro. Ergue então os olhos e encarou a jovem que não mais estava sob o efeito da maldição. Deu um sorriso sincero e estendeu a mão para a garota que olhava ansiosa por cima de seus ombros como se procurasse algo. A princesa olhou para trás bem a tempo de ver a rainha derrubar o cobertor revelando outra princesa. Essa terceira jovem aproximou-se a passos largos e transformou-se no rei a poucos centímetros de distância da princesa antes acorrentada. Esta por sua vez não conseguiu raciocinar a tempo. Se tivesse, teria percebido que fora enganado mais uma vez. Novamente pelo rei que havia conseguido capturá-lo. Pelo rei que não era o rei.
Não havia rei há muito tempo.
O preço que o rei havia pago para ter aqueles cavaleiros mágicos a sua disposição foi alto como o irmão do rei havia dito. E esse preço foi o próprio rei tornar-se uma das criaturas que iriam lhe servir. Adquirindo assim todas as habilidades, incluindo a mudança de forma humana - não revelada na presença da criatura para evitar que o plano pudesse ser descoberto - e a já conhecida transmutação em objetos. Como correntes e espadas. O braço recém curado do rei-cavaleiro transpassou a carne da falsa princesa com facilidade, pois o corpo dele já estava transformando-se em uma espada completa.
O único tempo que a princesa - que não era a princesa verdadeira - teve foi o curto espaço em que consegui dar um último suspiro.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Conversa


M: Galera, tô com o pinto na mão aqui.
D: :O
W: Q?
C: Que absurdo.
J: Eu gosto é da safadeza.
M: Calma, gente. É o pinto do meu pai.

        D saiu

C: Chocada.
J: Eu quero é foto!
M: Vocês são muito dramáticos.

        M adicionou D

M: É aquele pinto (ave) que tinha fugido.
W: Com a galinha da vizinha?
M: Esse mesmo. Já tinha procurado de noite e de dia. Finalmente achei.

        Áudio de D

W: Pois é.
M: É que ele pia muito. Daí só dorme se eu passar a mão na cabecinha.
H: Que é isso aqui, hein?

        Áudio de J

D: KKKKKKKKK
W: HAHAHAHHAHA
M: Será que vocês podem me ajudar ou tá difícil? Tô sozinho aqui em casa.
C: Tá sozinho é, bb?
J: RT
D: Começou...
M: Deixa. Vou colocar o pinto lá trás.
H: Danando.
P: Oxi
P: Vocês falam demais.

        Áudio de J

        W está digitando...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Hot Girls Wanted


"Os acessos a sites pornô superam os de Twitter, Netflix e Amazon juntos".
O documentário produzido por Rashida Jones informa também sobre a crescente valorização da garota real em relação às atrizes que interpretam garotas comuns. A procura pelo pornô amador é cada vez maior. E milhares de garotas de diversas cidades querem entrar nesse meio. Óbvio que isso não é apenas uma resposta à essa demanda. Motivos como liberdade sexual, financeira e familiar permeiam a mente dessas jovens maiores de idade.

Grande parte das filmagens pornô ocorre em Miami, onde não existe lei que obrigue o uso de preservativos nos atores. E é nesse estado que reside Ryle. Além de ator ele age como agenciador de garotas que chegam a todo momento buscando uma oportunidade no ramo. Ryle divide uma casa com as "meninas dele" das quais sente muito orgulho e recebe 10% em cima de cada cena protagonizada por elas.

Quebrar barreiras e mostrar que não há diferença entre essa e outras profissõester uma vida diferente dos pais; fazer algo rápido, fácil e de retorno imediato; possibilidade de interpretar uma personagem; sexo como trabalho não significa nada são frases ditas pelas garotas com bastante convicção.

Entretanto não basta apenas acreditar nessas afirmações. Para fazer sucesso é preciso se auto promover. E a ferramenta ideal para isso é o Twitter onde, diferente de Facebook e Instagram, não censura boa parte do conteúdo pornográfico. O número de seguidores é de extrema importância para dar visibilidade à atriz e fazer com que permaneça em evidência. Pois geralmente as produtoras usam uma garota em duas ou três cenas e se elas ficam famosas são remanejadas para categorias específicas. Mas isso não acontece sempre. Grande parte das garotas sai após três meses. E no melhor dos cenários permanece durante um semestre, existindo ainda a possibilidade de retornar.

Ava Taylor em gravação de cena para um filme

Boa parte do documentário foca em Tressa (Stella May). Utilizando de recursos como diário digital e filmagens acompanhando-a de fato, somos apresentados aos pais e ao namorada dela. Confidenciamos também suas angústias, certezas e relações com os amigos que sabem o que ela faz pra ganhar a vida.

Além das relações humanas fora do trabalho, outros pontos delicados são destacados pelas próprias atrizes. Como cenas que podem ser nojentas e a certeza que o único objetivo é fazer o cara gozar. Questões médicas também são levantadas. Embora todos os envolvidos nas cenas realizem exames
de sangue a cada duas semanas, o desgaste por transar demais é um fator prejudicial à saúde. Por fim alguns questionamentos são expostos. Eu queria tanto dinheiro assim? Como isso afeta as pessoas ao meu redor? É o meu jeito de fazer as coisas ou é o jeito mais fácil?

O documentário, que está disponível na Netflix, se preocupa principalmente em mostrar a percepção dessas garotas evitando definir o que é certo ou errado. Através de perspectivas únicas e verdadeiras, retratos de uma realidade diferente são filmados fugindo do "ação" de um diretor de filmes para maiores.

sábado, 7 de janeiro de 2017

AQUELA DO LÁPIS


  Se apaixonaram no momento em que se conheceram. E assim que se conheceram ele já estava dentro dela. Foi rápido porém muito bom. Ele ficou um pouco tonto e menor, mas já ansiava pela próxima vez. Ainda tinham vestígios dele dentro dela. E ela adorou isso.
  O último relacionamento do lápis havia sido bastante estável e duradouro. E embora ela ainda estivesse em sua cabeça foi decisão dele encerrar aquela história. A borracha era uma ótima companhia. É verdade. Mas ficar sempre com ela tirou o prazer da descoberta e o mistério do que estaria por vir. Era sempre o mesmo. A comodidade rotineira tornou-se desgastante. E ela também já não aguentava apagar os erros dele. No fim foi bom para ambos.
 Já com a lapiseira era sensacional. Ele estava em um mundo novo. Nunca sabia quando estariam juntos. Era sempre uma surpresa. Se bem que ele suspeitava que tinha algo a ver com sua ponta pequena. Quem entende? Nem sempre tamanho é documento. Ela sempre estava feliz e receptiva. Com um sorriso de ponta a ponta ele sentia que ela queria consumi-lo. E sendo honesto ele queria muito isso. Seu grafite nunca tinha sido tão desejado como agora. Nem quando teve um breve relacionamento com a caneta.
  Ele adorava a caneta. Nem conseguia acreditar que estavam juntos. Ela era belíssima e todos a queriam. E ainda por cima tinham os mesmos sonhos, gostavam das mesmas coisas. Entretanto ele sentiu-se sufocado. Ela queria algo permanente de imediato. Ele, do contrário, queria testar antes pra saber se aquilo daria certo a longo prazo. Ela gritava que sua tinta estava acabando enquanto ele tentava acalmá-la. Como não chegaram a um acordo, ela tampou-se e partiu.
  Mas agora tudo estava perfeito. Ele estava envolto em um turbilhão de sentimentos avassaladores. Era maravilhoso estar com a lapiseira. Estava perdidamente apaixonado e não se via com mais ninguém. Até que um dia tudo transformou-se em pó. O sonho ficou manchado quando ele a viu apontando outro. Um lápis preto enorme. Aquilo o deixou desapontado.