domingo, 5 de fevereiro de 2017

Suspiro


A rainha aproximou-se do rei e disse-lhe:
- Nossa filha está doente.
Sem tirar os olhos do porco assado que devorava, o rei respondeu:
- Mande trazer o curandeiro.
- Ele já foi chamado, mas não pôde ajudá-la.
O rei pousou as mãos na mesa e suspirou. Suspirou como se estivesse tomando seu último fôlego e perguntou:
- Ela pode andar?
- Sim.
- Traga-a aqui.
A rainha retirou-se como um raio e voltou antes que o rei terminasse a refeição. Ela trazia, pela mão, a jovem princesa. Antes de falar, o rei quebrou um osso, levantou-se e abaixou-se para ficar da altura da filha. Ele encarou aqueles pequenos olhos verdes iguais aos dele e após um longo suspiro falou:
- Sabe pra onde precisamos ir?
- Sei mas não gosto, respondeu a princesa olhando para os próprios pés.
- Sabe por que temos de ir?
- Sim. Porque eu tô doente.
- Sabe que se dependesse de mim eu trocaria de lugar com você?
- Sei...
- Está pronta?
- Sim.
O rei voltou-se para a rainha e disse:
- Não largue a mão dela.
A rainha assentiu e enquanto puxava a filha para junto de si ouviu os passos pesados do rei afastarem-se até a entrada do aposento onde estavam. O rei, porém não demorou-se e quando voltou estava acompanhado de seis cavaleiros e trazia na mão uma enorme chave de ouro. Ele então aproximou-se delas e ordenou:
- Vamos.
Seguiram pelo corredor mais estreito do palácio formando uma fila indiana com a família real entre os cavaleiros. Andaram bastante até encontrar a escadaria. O primeiro cavaleiro iluminou-se assemelhando-se a uma chama e iniciou a descida. Os demais cavaleiros seguiram seu exemplo e a família pôde enxergar todos os degraus com perfeição. A escadaria despontava numa ampla sala vazia. A sala tinha apenas uma enorme porta de ouro. O rei entregou a chave ao primeiro iluminado. Ao recebê-la, o cavaleiro assumiu uma estatura de três metros e imediatamente depositou
a chave na fechadura acionando os mecanismos da porta. Assim que foi destrancada, os outros cavaleiros aumentaram de estatura e ajudaram a abri-la.
Três dos gigantes ficarem vigiando a entrada enquanto os outros três assumiram a estatura original. Estes últimos acompanharam o rei, a rainha e a princesa até o encontro indesejado, porém inevitável.
E lá estava ele: o rei. Mesmo estando preso por grossas correntes azuis impossibilitando-o de mover se um centímetro se quer, esboçava um sorriso de contentamento. E sem desmanchar o sorriso gritou a plenos pulmões:
- FELIZ ANO NOVO!
O rei olhou para o topo do morro e avistou a criatura que assumira sua forma. Deu um longo suspiro, olhou para dois dos cavaleiros e ordenou:
- Façam o teste.
O rei acorrentado exibiu uma expressão de descontentamento e murmurou:
- Não vamos nem conversar um pouquinho? Eu senti tanta saudade.
Ao ouvir a voz de seu marido vindo daquele ponto da sala e naquele tom, a rainha contorceu-se e apertou firme a mão da princesa. O rei acorrentando continuou:
- Esse é o quê? Nono? Não. É o décimo! Dez anos? Ela já é uma moçiiiinha.
Enquanto sibilava a última palavra assumiu a forma da rainha e prosseguiu:
- Meu anjo, você já está crescidinha. Tenho que lhe ensinar tantas coisas. Temos tanto pra fazer juntas. Só nós duas...
Nesse momento a rainha acorrentada lambeu os lábios e soltou uma gargalhada gutural. Aquela risada fez até os cavaleiros que se aproximavam estacarem. O som ecoou por toda a sala e a princesa levou as mãos ao rosto. A rainha abaixou-se perto da filha e a abraçou sussurrando-lhe que tudo ficaria bem. O rei permaneceu imóvel e disse:
- Pare com isso.
A criatura voltou a assumir a forma do rei e o remedou:
- Pare com isso.
Afinando mais a voz continuou:
- Pare com isso, pare com isso, pare com...Você fala como se fosse rei! Você não é nada!
- Eu sei - o rei respondeu calmamente.
- Que interessante. Isso diz muito de você.
Outro sorriso diabólico transfigurou-se no rosto do rei acorrentado e quando outra risada tomava forma e estava prestes a inundar a sala, um dos cavaleiros apertou o pescoço do prisioneiro, calando-o. A criatura assumiu a forma da princesa e murmurou:
- Estou morrendo.
O cavaleiro afastou-se e ouviu o rei dizer:
- Rápido.
O segundo cavaleiro então aproximou-se do primeiro oferecendo-lhe o braço. Com um movimento rápido e preciso o primeiro cavaleiro quebrou o braço que lhe foi oferecido. O grito seco silenciou-se rapidamente. O primeiro cavaleiro tocou as correntes azuis e elas imediatamente desvincularam-se da princesa acorrentada. As algemas caíram no chão e toda aquela estrutura de ferro transformou-se em um cavaleiro. Sua pele azul e olhos amarelos eram idênticos aos dos outros, porém não possuía nenhum vestígio de vida. Enquanto a princesa olhava para aquilo que fora sua prisão o primeiro cavaleiro aproximou-se e disse:
- Cure o braço dele.
A princesa perguntou:
- Por que vocês precisam fazer isso sempre?
- Não podemos correr o risco - respondeu o cavaleiro iluminando-se.
A princesa aproximou-se do cavaleiro que gemia de dor e deu um leve sopro em direção ao braço quebrado. Imediatamente os nervos e ossos assumiram os aspectos esperados e o cavaleiro não mais sentia dor. A princesa empurrou o cavaleiro recém curado e esquivou-se do primeiro. Iniciou então uma decida apressada do íngreme morro onde estavam. O cavaleiro que estava na base do morro junto à rainha e à verdadeira princesa iniciou o processo de crescimento, mas não sua ação não
foi necessária. A falsa princesa já estava sendo arrastada pelos cabelos. O primeiro cavaleiro prendeu-a pela garganta e o segundo, que estava próximo ao rei, acenou para a rainha sinalizando que tudo estava bem. A rainha, a princesa e o terceiro cavaleiro subiram o pequeno morro íngreme até alcançarem o topo planificado repleto de ruínas. O rei ordenou que a falsa princesa fosse solta.
O cavaleiro iluminado afastou-se deixando-a respirar. Após tossir bastante a princesa disse:
- Pai, tenho fome.
O rei não conteve sua expressão de nojo e por fim declarou:
- Seja rápido.
A princesa assumiu a forma de uma besta de quatro patas e no mesmo instante começou a devorar o cadáver do cavaleiro que jazia morto no chão. Os outros cavaleiros estavam atentos a todos os movimentos da fera enquanto a rainha tentava tapas os olhos e ouvidos da filha. Após não restar mais nada do corpo, a besta assumiu a forma de um homem parecido com o rei e falou dirigindo-se justamente para o patriarca da família real:
- Sabe irmão, deveria ter sido você.
- Eu sei, disse o rei entre um suspiro.
- Então, o que ela tem?
- Você sabe.
- Preciso que você diga.
- O coração dela parou.
- Como você se sente, pequena?
- Você fala comigo - disse o rei elevando a voz.
- Como ela se sente?
- Muito mal.
- E o que eu posso fazer?
- Você sabe.
- Diga!
- Cure-a.
- Como?
O rei suspirou com pesar. Então o irmão do rei disse:
- Tudo bem.
Os três cavaleiros o cercavam enquanto ele se aproximava da princesa. Ele ajoelhou-se e olhou diretamente nos olhos verdes da princesa. A rainha estava atrás da filha de forma protetora. O rei estava em pé ao lado da filha e não movia um músculo.
- Sabe pequena...
Um dos cavaleiros segurou-o pelo pescoço e os outros agarraram seus braços. O rei disse novamente:
- Você fala comigo.
- Então diga a sua filha para apontar onde dói.
A princesa apontou para o lado esquerdo do peito. O irmão do rei deu um rápido sorriso e disse:
- Mas você é tão jovem.
- Cure-a - disse o rei,
- Por quê? Ela vai adoecer de novo. O coração dela é muito frágil. Talvez nem sobreviva...
Um novo aperto no pescoço e ele calou-se. O rei sentenciou:
- Faça agora.
- Me diz uma coisa: quantos cavaleiros você ainda tem? Sete? Não. São seis, não é? Isso mesmo. Apenas seis. E pelas minhas contas aqui...Acho que não vai dar certo, hein?
Mesmo com os braços torcidos para trás ele não parava de falar:
- Você deveria entregá-la agora. Você mantém seus cavaleiros e seu reino permanecerá por muito tempo. Juro que não irei atacá-lo. Só quero viver feliz com a minha pequena. Farei ela muito feliz. E ela me fará tantas outras coisas...
O irmão do rei parou de falar quando um ombro foi deslocado e o ar já não entrava pela traqueia.
Novamente o rei ordenou:
- Faça agora.
Assumindo a forma do rei, a criatura aproximou-se mais da princesa e soprou seu pequeno coração. Antes de ser puxado para trás o falso rei ainda consegui dizer para a princesa:
- Eu te amo.
Os cavaleiros arrastaram o falso rei até o centro. O cavaleiro iluminado segurou-o firme iniciando sua primeira transformação inanimada, sendo também sua última. O rei estava novamente preso por grossas correntes azuis. O rei, a rainha, a princesa e os dois cavaleiros restantes iniciaram a descida do pequeno morro íngreme o mais rápido possível. Ainda assim podiam ouvir o rei acorrentado dizer:
- FELIZ ANO NOVO! FELIZ ANO NOVO!

...

" Quando tinha quinze anos o coração da princesa parou novamente. Como já havia acontecido em todos os anos de sua vida. Ela não caia morta nem nada parecido. Apenas sentia-se mal. Extremamente mal. Já havia tentado explicar à mãe o sentia, mas era difícil explicar em palavras. Era como se todo seu corpo estivesse frio e quente ao mesmo tempo. Como se o peso do mundo estivesse sobre ela, mas ao mesmo sentia que podia sair voando. Isso era uma maldição. E essa maldição lhe fora aplicada por um invasor de um reino distante. Esse invasor era uma criatura que tinha a capacidade de alterar de forma. Podia assumir tanto a aparência de uma coruja para espiar quanto a do próprio rei que planejava destronar. Mas no fim foi apenas um trapaceiro que foi trapaceado por outro."

...

Dessa vez o rei desceu acompanhado por um cavaleiro que carregava duas sacolas com provisões.
A rainha e a princesa deveriam esperar no topo da escadaria até ele verificar se tudo estava seguro.
Elas ouviram a pesada porta de oura ser movida e ficaram imaginando o esforço que o cavaleiro estaria fazendo.
Após um longo período a princesa quebrou o silêncio dizendo:
- Vamos até lá,
- Não. Devemos esperar aqui - disse a rainha segurando a mão da filha.
- Pode ter acontecido alguma coisa.
- Confie no seu pai.
- Mas...
Ouviram então o rei gritar a palavra de segurança:
- Coração!
Elas iniciaram a descida sabendo que tudo estava seguro. Uma coruja estava bem presa nas grossas correntes azuis no alto do morro. O cavaleiro estava próximo observando e o rei já avançava a passos largos o pequeno morro íngreme. Quando chegou ao topo deparou-se com as ruínas e uma besta de quatro patas acorrentada. O rei aguardou um tempo até que perguntou:
- Nenhum comentário hoje?
A besta apenas rosnava.
- Assuma uma forma humana ou suas patas serão quebradas.
O focinho da besta deu lugar ao rosto conhecido do irmão do rei que pronunciou:
- Mas você precisa de mim, irmãozinho.
- Vamos logo com isso - disse o rei erguendo o braço.
O irmão acorrentado exibiu um largo sorriso. O cavaleiro iluminou-se e quebrou o braço estendido do rei. O grito que se seguiu obrigou tanto a rainha quanto a princesa a taparem os ouvidos. O rei agonizou uns instantes até que dirigindo-se ao cavaleiro ordenou:
- Solte-o.
O cavaleiro deu um longo suspiro e tocou na corrente que prendia o irmão do rei. A corrente assumiu a forma de um cadáver azul de olhos amarelados. O irmão do rei levantou-se e disse:
- Preciso comer.
Enquanto virava-se em direção ao cadáver azul, sentiu uma mão firme agarrá-lo pelo ombro e arrastá-lo até o rei que gemia baixo:
- Meu braço...cure-o.
- Sinto muito, rei. Não estou me sentido perfeitamente bem. Preciso comer antes. Você entende, não é mesmo?
O rei olhou pra cima em súplica mas o que obteve do outro como resposta foi uma expressão de consternação.
- Preciso muito comer - repetiu o irmão do rei.
O rei fez um gesto mandando-os afastarem-se. O cavaleiro guiou o irmão do rei para longe e o prisioneiro começou a devorar o cadáver do que antes fora sua prisão. Mastigava devagar e sem pressa, pois ainda estava em forma humana. Concluída a refeição, o último cavaleiro arrastou o recém alimentado para junto do rei. O irmão do rei ajoelhou-se e começou a falar:
- Até quando vamos fazer isso?
- Meu braço...
- Por que você não a entrega pra mim?
- Faça...logo.
- Sabe...eu nunca te parabenizei por conseguir me capturar. Realmente foi um feito e tanto. Todos os outros reinos eram bem protegidos mas nada comparado a esse. E aqueles cavaleiros...Nossa! Como você conseguiu? Do que você abriu mão pra conseguir seres tão fantásticos?
- Pare de falar. Apenas faça...
- Deve ter sido algo muito importante. O feiticeiro não cobraria barato. Eu bem sei.
- Faça...
O cavaleiro aproximou-se e segurou o irmão do rei pelo pescoço. Mesmo assim o prisioneiro continuou:
- Você já se perguntou o motivo de eu ter lançado essa maldição?
- Porque eu te enganei, disse o rei com bastante esforço.
- Não, não. É porque eu a amo.
- Mentira!
- Eu sempre a amei. Mesmo antes dela existir.
- Você é um monstro!
- Não. Você é que é o monstro. Rodeado por esses cavaleiros bizarros e com um prisioneiro em seu castelo. Exigindo que eu salve sua adorável filha ano após ano. Se bem que depois desses anos todos ela já deve estar bastante agradecida. Acho até que ela também me ama.
O rei gritou:
- Já chega! Faça agora.
O cavaleiro forçou o irmão do rei mais para baixo. Nesse instante a criatura assumiu a forma de um medonho pássaro verde com duas cabeças e bicos afiados. Seu tamanho e aparência eram assustadores. Com um rápido bater de asas afastou o cavaleiro para longe. O rei protegeu o rosto com o braço intacto e em troca recebeu um rasgo na carne que fez um sangue espesso brotar imediatamente. O pássaro alçou voo e descia velozmente ao encontro da rainha que segurava a mão da princesa com força. Quando a ave verde aproximava-se com suas duas cabeças, as duas indefesas observavam atônitas quando o cavaleiro pulou do topo do morro e ainda no ar ficou gigante. O cavaleiro pousou em cima do pássaro levando ao chão provocando, assim, um baque surdo na vasta sala vazia. O pássaro debateu-se um tempo antes de transforma-se no rei. O cavaleiro voltou a estatura anterior e imediatamente obrigou o falso rei a ficar de joelhos. Da base do pequeno morro íngreme via-se o rei descendo a encosta com dificuldades. Quando terminou a caminhada foi recebido pela rainha que disse espantada:
- Seu braço! Você está bem?
- Vou ficar - respondeu o rei suportando uma dor aguda que percorria insistentemente.
Virou-se então para aquele que assumia sua forma e ordenou:
- Faça agora.
- Eu só queria me divertir um pouco.
O cavaleiro iluminou-se e o falso rei pôde sentir seus músculos retesarem e os ossos racharem. No instante seguinte deu um sopro no braço do rei. A dor sumiu rapidamente. O rei então trouxe a filha para junto de si e disse para sua cópia:
- Agora ela.
O prisioneiro deu um sorriso e falou:
- Como quiser.
Deu um sopro em direção ao coração da princesa provocando uma sequência de batimentos ritmados e saudáveis. O rei fez um aceno para o cavaleiro que respondeu com um breve assentimento de cabeça e começou a arrastar o que antes era um pássaro verde de duas cabeças.
O rei virou-se para a rainha e disse:
- Cuidado na volta. Está escuro por isso devem guiar-se pelas paredes.
A rainha então perguntou:
- Você tem certeza que precisa fazer isso?
- Sim. Faça como combinamos. Não solte a mão dela.
- Tudo bem.
O rei recebeu um beijo da rainha e um abraço apertado da princesa. Ele pegou as sacolas com provisões que havia deixado na base do morro e iniciou a subida. Quando chegou ao topo, sua cópia estava presa por grossas correntes azuis. E assim que se acomodou a uma certa distância, ouviu do outro:
- Estou bastante intrigado. O que nos espera nos próximos momentos?
O rei abriu uma das sacolas e de dentro tirou um pão. Deu um longo suspiro, destacou um pedaço e pôs o restante de volta na sacola. Levou o pedaço até a boca onde passou vários segundos mastigando até engolir. Quando ia repetir essa mesma ação o prisioneiro falou:
- Tudo bem, Terei muito tempo para contar o que vou fazer com nossa princesinha. Primeiro eu...

...

Quase um ano havia se passado quando o rei ouviu passos adentrarem a vasta sala. O rei levantou-se. Estava barbudo e parecia dez anos mais velho. Deu um longo suspiro antes de gritar:
- Coração!
A rainha e a princesa iniciaram a subida do pequeno morro íngreme. A princesa prisioneira ficou estarrecida quando o rei tocou em suas correntes azuis e elas imediatamente transformaram-se
em um cadáver do último cavaleiro. A criatura não teve muito tempo para contemplar o fato, pois a rainha e a princesa já estavam no topo envoltas num abraço apertado com o rei. Logo após isso a rainha, que estava carregando um longo cobertor, cobriu as três peças da realeza. Em seguida um grito de dor ecoou na vasta sala. A princesa recém acorrentada correu em direção ao local de onde vinha os gritos e, assim que o cobertor caiu, pôde ver a princesa gemendo de dor com o braço quebrado. Imediatamente a falsa princesa aproximou-se e sem ninguém ordenar deu um breve sopro no braço fraturado. Imediatamente os nervos e ossos restabeleceram-se. E já quando iniciava o sopro em direção ao coração, a rainha correu em direção à princesa e colocou o cobertor entre eles enquanto gritava:
- Afaste-se de minha filha!
A falsa princesa removeu no mesmo instante a peça de pano que a impedia de ver a princesa e, sem nem ao menos olhar para a rainha, deu o décimo sexto sopro. Ergue então os olhos e encarou a jovem que não mais estava sob o efeito da maldição. Deu um sorriso sincero e estendeu a mão para a garota que olhava ansiosa por cima de seus ombros como se procurasse algo. A princesa olhou para trás bem a tempo de ver a rainha derrubar o cobertor revelando outra princesa. Essa terceira jovem aproximou-se a passos largos e transformou-se no rei a poucos centímetros de distância da princesa antes acorrentada. Esta por sua vez não conseguiu raciocinar a tempo. Se tivesse, teria percebido que fora enganado mais uma vez. Novamente pelo rei que havia conseguido capturá-lo. Pelo rei que não era o rei.
Não havia rei há muito tempo.
O preço que o rei havia pago para ter aqueles cavaleiros mágicos a sua disposição foi alto como o irmão do rei havia dito. E esse preço foi o próprio rei tornar-se uma das criaturas que iriam lhe servir. Adquirindo assim todas as habilidades, incluindo a mudança de forma humana - não revelada na presença da criatura para evitar que o plano pudesse ser descoberto - e a já conhecida transmutação em objetos. Como correntes e espadas. O braço recém curado do rei-cavaleiro transpassou a carne da falsa princesa com facilidade, pois o corpo dele já estava transformando-se em uma espada completa.
O único tempo que a princesa - que não era a princesa verdadeira - teve foi o curto espaço em que consegui dar um último suspiro.