AQUELA DA CANETA
Certo dia, entrei numa loja. Dessas que
vendem material escolar. Dei uma olhada rápida em seu interior. Tinha de tudo
um pouco. Dirigi-me até o balcão onde encontrei um rapaz ruivo e cheio de
sardas. Devia ter uns 17 anos. Jeito despreocupado como se já tivesse
ganhado o mundo e não tivesse nada a perder.
Falei em um tom casual:
- Me vê aí uma caneta.
- Qual delas?
Não
sei se ele estava sendo irônico ou se era seu modo de falar. Desconsiderei.
- Pode ser uma bic.
- Qual delas?
Dessa
vez fiquei intrigado. Será que eu estava na frente de um andróide alienígena que conhecia apenas uma frase da nossa língua? Talvez aquelas sardas servissem
como distração enquanto ele montava sua arma intergaláctica, que estava atrás
do balcão, para usá-la em mim. Talvez ele já tivesse feito isso com outras
pessoas. Afinal, a loja não estava muito movimentada. Espera aí. Não tinha
ninguém!
Quando
eu estava me preparando pra sair correndo, o ‘alien’ falou:
-Temos a bic normal e a ‘super’ bic.
Olhei-o
com certa desconfiança.
- E qual é a diferença?
Perguntei
ainda desconfiado.
- A ‘super’ bic possui um dispositivo de encapsulamento.
Ele
falou com uma naturalidade que me incomodou. Como se todos soubessem que a
‘super’ bic possuia um dispositivo de encapsulamento. Ou pior, como
se todos soubessem que existia uma ‘super’ bic.
Fiquei lá parado, como se fosse o
cara mais desinformado da face da terra. Então para tentar adquirir algum
respeito, ante aquele extraterrestre, eu disse:
- Ah claro! A ‘super’ bic. Já tava esquecido. Faz tempo que
eu não a uso.
Agora
eu parecia ser o cara mais idiota da face da terra. Mas não podia deixar-me abalar. Muito menos demonstrar fraquezas! Então, como se fosse o maior
entendedor de canetas, falei num tom despreocupado:
- Me dá uma ‘super’ bic mesmo.
Num
movimento mecânico, o ‘alien’ colocou a mão atrás do balcão – o que me deixou
muito tenso – e retirou uma caneta bic, colocando-a na minha
frente.
À
primeira vista eu não vi nada diferente. Nem à segunda. Nem à terceira... Era
uma caneta comum!
- Mas peraí. É uma caneta comum!
- Errado. Ela possui um dispositivo de encapsulamento.
Daí ele pegou a caneta; retirou e colocou a tampa três vezes. E enquanto ele fazia
isso, me olhava com uma cara de: “será que esse idiota já usou mesmo uma
‘super’ bic?”.
Eu
me encontrava entre a indignação e a fúria.
- Que palhaçada é essa? Isso é apenas uma tampa!
- Errado. É um dispositivo de encapsulamento.
- Olha aqui seu...
- O senhor não disse que já tinha usada uma ‘super’ bic?
O
‘alien’ parecia estar me testando. O pior é que eu já havia dito. Precisava me
acalmar e inventar alguma coisa; rápido.
- É...que...a que eu usei era diferente dessa.
Meu
Deus! Nem eu iria cair nessa.
- Então o senhor deve ter usado a ‘mega’ bic.
Ufa!
Pelo visto a minha tirada tinha servido pra alguma coisa. Mas e essa agora?
- ‘Mega’ bic?
- É. ‘Mega’ bic.
- Ah claro! Foi isso.
Eu
não fazia idéia do que era uma ‘mega’ bic. Mas aquela não era mais
uma questão de comprar uma caneta. Era uma questão de orgulho! Não podia
continuar ali sendo menosprezado por aquele ‘extraterrestre ruivo’.
Tentei
parecer o mais calmo possível. Respirei fundo e disse:
- Então, eu vou comprar uma ‘mega’ bic.
Repetindo
o mesmo movimento da outra vez; retirou outra caneta bic da
parte traseira do balcão.
Mas...era impossível. A caneta era exatamente igual à outra!
Fiquei
ali parado um tempão olhando para as duas canetas. Depois de quase três
minutos resolvi encarar o ‘alien’.
Suas
sardas me desafiavam. E aquele cabelo ruivo era uma afronta à minha dignidade.
Ele
estava esperando. Esperando que eu fizesse a maldita pergunta. Eu já estava
acabado. Não tinha condições de exigir respeito. Afinal, mentira duas vezes. O
jeito era me entregar.
- E qual é a diferença?
Ele
sorriu. Era o riso de um carrasco quando está prestes a decepar sua cabeça.
E
foi como um golpe de machado que ele falou:
- A ‘mega’ bic possui um fluido especial para a escrita.
Achei que já soubesse.
O
desgraçado interplanetário estava falando da tinta! Era só o que me faltava! Eu
não podia acreditar. Aquilo não estava acontecendo comigo. Não. Era impossível!
Quando
eu estava a ponto de esganar o filho – da – mãe, uma senhora materializou-se ao
meu lado e pediu, ao ‘alien’, um novelo de lã.
Santa
velhinha do novelo! Se não fosse por ela, talvez eu tivesse iniciado uma guerra
entre dois mundos.
Após
ser atendida, ela saiu da loja. E eu fiquei lá. Frente a frente com o
extraterrestre. Ele continuava me testando. Talvez ele quisesse que eu o
batesse. Assim ele teria um motivo para me desintegrar.
Mas eu não cedi. Consegui conter
meus instintos primitivos e fiz a coisa mais honrosa que podia ter feito: comprei um lápis.
MAX
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